CRISTÓVÃO FALCÃO
(1518-1557)
CRISFAL
Entre Sintra, a mui prezada,
e serra do Ribatejo
que Arrábida é chamada,
perto donde o rio Tejo
se mete na água salgada,
houve um pastor e pastora,
que com tanto amor se amaram
como males lhe causaram
este bem, que nunca fora,
pois foi o que não cuidaram.
A ela chamavam Maria
E ao pastor Crisfal,
ao qual, de dia em dia,
o bem se tornou em mal,
que ela tão mal merecia.
Sendo de pouca idade,
Não se ver tanto sentiam
que, o dia que não se viam,
se via na saudade
o que ambos se queriam.
Algumas horas falavam,
Andando o gado pascendo;
e então se apascentavam
os olhos, que, em se vendo,
mais famintos lhe ficavam.
E, com quanto era Maria
pequena, tinha cuidado
de guardar melhor o gado
o que Crisfal dizia;
mas, em fim, foi mal guardado.
Que, depois de assim viver
nesta vida e neste amor,
depois de alcançado ter
maior bem para mor ter
em fim se houver de saber
por Joana, outra pastora
que a Crisfal queria bem.
Mas o bem que de tal vem,
não ser bem maior bem fora,
por não ser mal a ninguém.
A qual, logo aquele dia
Que soube de seus amores,
Aos parentes de Maria
fez certos e sabedores
de tudo quanto sabia.
Crisfal não era então
dos bens do mundo abastado
tanto como do cuidado;
que, por curar da paixão,
não curava do seu gado.
E, como em a baixeza
do sangue e pensamento
é certa esta certeza:
- cuidar que o merecimento
está só em ter riqueza - ,
enqueriram que teria
e do amor não curaram;
em que bem se descontaram
riquezas que faleciam,
por males que sobejaram.
Então, descontentes disto,
levaram-na a longes terras,
esconderam-na entre serras,
onde o sol não era visto,
e a Crisfal deixaram guerras.
Além da dor principal,
para mor pena lhe dar,
puseram-no em lugar
mau para dizer seu mal,
mas bom para o chorar.
Ali os dias passava
em mágoas, da alma saídas,
dizer a quem longe estava;
e chorava por perdidas
as horas que não chorava,
em vales mui solitário,
sombrio e saudoso,
sendo monte temeroso,
para o choro necessário,
para a vida mui danoso,
Dizer o que ele sentia,
em que queira não me atrevo,
nem o chorar que fazia;
mas as palavras que escrevo
são as que ele dizia.
sábado, 1 de maio de 2010
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